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ZEBUNAREDE ENTREVISTA - MENINO MESTIÇO


Por: André Montandon e Verônica Furtado


Natural de Uberaba, Guilherme de Oliveira Junior, mais conhecido como Menino Mestiço é tido como uma dos grandes letristas da região. Escrevendo desde 2007, suas letras fomentam reflexão, constroem diálogos e empodera aqueles que são invisibilizados pela sociedade. Atuante na cultura Hip-Hop desde 2011 através das batalhas de MCs, em 2015 conseguiu de forma independente distribuir sua primeira mixtape "Abençoado Seja o Que Acredita em Si Mesmo", contendo as canções "Cantiga de Roda", "Queijo Minas" e "Negro Não Nego" música que ficou em terceiro lugar no Festival de Música autoral de Uberaba. No ano seguinte, se consolida como promessa na região com sua segunda mixtape "Abençoado Seja o Que Acredita e Vai à Luta", com destaques para os sons "Sem Sinal de Vida", "Anos 2000" e "Gatilho da Revolução. O artista também é responsável por inúmeras atividades como apresentações para comunidade tanto em bairros periféricos como em universidades, palestras, e oficinas em escolas. Com 26 anos, o MC ambiciona sair da bolha de sua região, e conseguir levar para o país todo sua forma de dialogar através da música. Esses motivos, nos levaram a apresentar e divulgar o trabalho dessa grande promessa uberabense. Confira a nossa entrevista!!

- O movimento Hip Hop é uma cultura popular, expressa através da arte, música, poesia, dança e grafite. Uma construção coletiva de valorização e conquista do espaço social e político; e em Uberaba isso não é diferente. Como surgiu o seu envolvimento com esse movimento cultural?

Menino Mestiço - Comecei ouvindo Rap com meus primos. Lembro que eles iam na feira e compravam aqueles DVD's com vários Vídeo Clipes, e como nos fins de semana a gente jogava bola aqui perto de onde eu moro, depois do futebol baixava todo mundo na minha casa pra assistir. Na época aqui tinha aqueles computador mais barato e acesso a internet só nos sábados depois das 14 horas e nos domingos que era de graça, demorava uma hora pra baixar uma música haha. Lembro até hoje do dia em que meus primos acharam na internet, nem era no YouTube ainda hein, o vídeo clipe de Vida Loka Pt II dos Racionais e colocaram pra carregar, sei que a gente foi jogar bola e quando voltou só tinha carregado a introdução haha mas só aquela parada já mexeu comigo num nível que eu comecei a pesquisar e estudar tudo sobre aquilo. Depois que eu descobri Tupac e Racionais decidi que cantar Rap era o que eu queria fazer da minha vida.

- Qual é a importância da Batalha dos MC´s no desenvolvimento e afirmação desse movimento cultural em nossa cidade?

Menino Mestiço - As batalhas sempre foram uma parte importante do movimento Hip-Hop, às vezes se trata de sobrevivência, porque quando você não tem nada, ser melhor do que o outro em alguma coisa, vale muito. Mas quem tá fora da parada precisa saber que o Hip-Hop em Uberaba sempre foi mais amplo. Hoje o hype tá nas batalhas de rimas, mas em outra época o que mandava era o que ficou conhecido como "Break Dance", uma das formas de dançar no Hip-Hop, em outro momento foram as "posses", ou coletivos de MC's, DJ's, dançarinos e grafiteiros, hoje ou depois o destaque pode tá no Grafite, que atualmente tem movimentado na cidade nomes importantes de fora e de dentro, com evento todo ano. É uma coisa que precisa ser sempre lembrada, o Hip-Hop é muito maior. Se eu não falo essa parada, sei que vai ter vários de cara feia depois haha. Eu também preciso falar que sinto gratidão pelas batalhas e aos organizadores, isso é uma forma de resistência, ocupação de lugar público pelo povo, essa mobilização toda seria capaz de qualquer coisa em prol da própria comunidade, até de uma revolução, se tivesse as ferramentas necessárias. É uma parada que na faculdade você vê a teoria, mas na prática quem faz é a gente do Hip-Hop. Eu costumo dizer que é meu primeiro diploma, o da rua. Ali você aprende a falar com todos os tipos de pessoas, é necessário postura, respeito, malemolência, são várias paradas que formam o MC e que ao ver são essenciais na formação de qualquer cidadão.

Menino Mestiço em uma das edições da Batalha no calçadão da Arthur Machado.
- Como foi participar da seletiva do Festival Sons da Rua, projeto que tem o objetivo de descobrir novos talentos e uni-los à artistas já renomados do rap nacional?

Menino Mestiço - Posso falar que agradeço muito aos meus pais pelo suporte, a minha companheira por peitar essa parada junto comigo, e ao mano que colou como DJ, mas devido a uns problemas que eu tive com a organização, prefiro não comentar nada sobre o resto.



- Em suas letras, você aborda temas sociais e raciais. Um protesto por mais respeito às comunidades, a importância da educação, ao fim da repressão e exclusão social. E o seu novo single “Lágrimas de Março” essa indignação fica bem evidente. Estamos corretos nessa afirmação?

Menino Mestiço - Eu gosto de falar sobre qualquer coisa nas minhas letras, mas ganhei reconhecimento pelas letras que as pessoas costumam chamar de protesto. Talvez eu seja bom em reclamar né haha. Mas isso é uma coisa que quem acompanha o que eu faço precisa saber, eu não sou um produto pra ter o rótulo de MC de protesto, a gente é mais complexo do que isso. Amanhã ou depois se eu quiser criar algo festivo e que não toque em temas sensíveis da nossa sociedade, eu vou fazer, mas provavelmente não vou ter apoio de algumas das pessoas que me ouvem agora. Quero dizer, as pessoas não precisam gostar de tudo que eu faço, gosto é gosto, mas apoiar um artista deveria ser compreender, ou ao menos tentar ter empatia por toda complexidade humana que o envolve, antes de dizer que ele se vendeu, contradisse, ou que não é bom igual antigamente. Porque se for pra alguém apontar o dedo pra mim, eu mesmo me aponto como falho e logo contraditório. Deu pra ver que eu sou um pouco revoltado às vezes haha. Mas a questão é que isso faz parte do espectro de sensações e sentimentos que estão aí pra nós. Março é realmente um mês complicado pra mim, e olha que minha companheira diria que eu sou meio cético com essas coisas haha, mas pra ser sincero, juntou toda a realidade ao meu entorno, todas essas coisas acontecendo, mais as coisas aqui dentro e virou isso rs, uma música que nem todo mundo gosta de ouvir, mas eu julgo necessária.



- Para finalizar a nossa entrevista, deixo aberto esse espaço para que você mande um recado aos nossos leitores nesse ano tão importante de eleições, onde temos a chance de mudar a história do país.

Menino Mestiço - Ah, na verdade prefiro não fazer isso, quero dizer, vão me achar um artista cheio de frescuras que não fala disso e aquilo, mas eu prefiro falar outra parada. Eu tenho pensado ultimamente que nem um milhão de MC's Mestiços mandando recado pras pessoas sobre a importância das eleições seriam suficientes pra mudar alguma coisa. E olha que eu nem falei sobre o que eu penso de eleições, sobre a nossa democracia, ou a questão partidária ideológica. Eu acredito na mudança, mas acho que a gente romantiza ela, pra variar o que a gente não romantiza? Mas na real, a mudança pra mim é algo muito mais íntimo, entende?! Eu me vejo em mudança todo dia, uma mudança constante dolorosa pra algum palavrão aí. Eu tenho que mudar constantemente pra poder entender o mundo que tá mudando, pra poder entender meus pais que estão envelhecendo, pra poder entender o crescimento do meu relacionamento com minha companheira, pra entender as pessoas lá fora e eu mesmo. Não é nada fácil você se construir e desconstruir todo dia da sua vida, quebrar seus próprios paradigmas e conceitos sobre tudo, fazer uma revolução dentro de você em todo café da manhã, pra conseguir tentar entender você mesmo, as pessoas e o mundo a sua volta. Sabe, mudar coisas pequenas, até as grandes. E as vezes é foda porque no fim do dia eu me pego no paradoxo do Navio de Teseu: eu mudei tantas peças de mim mesmo, que quando eu chegar aonde eu quero, eu ainda vou ser eu, ou uma outra coisa. Acaba que é aquela coisa do Raul né, ser uma metamorfose ambulante, acho que a vida é por aí, uma coisa diferente toda vez. Por isso que eu não ia falar sobre isso, mas já tô falando né haha. Como as pessoas querem tanto mudar a história do país delas, se elas pensam da mesma forma de quando os colonizadores pisaram aqui? Até quando vamos querer ganhar em cima do sofrimento do outro, ou tirar vantagem do outro que não pode se defender? Às vezes não é só nem nossos políticos não, às vezes a mentalidade do nosso próprio povo que sofre de várias formas, às vezes até ele perpetua o sofrimento do outro, justamente por não se permitir mudar. A gente viu a guerra tantas vezes, mas continua indo no caminho dela toda vez. Enquanto continuar assim, penso que eleições vão ser só nossa utopia de esperança a cada quatro anos.

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Comentários

  1. Bela entrevista! Fico chateado por termos um excelente letrista, que me faz lembrar a época em que o rap era forte na cidade, estar passando por esse momento. Mestiço é um cara de enorme potencial. Fé pa tudo irmão.

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  2. Apesar de muito distante tive a sorte e o prazer de fazer musica com esse cara inteligentissimo...
    Sei que um dia vou te ver voando os céus br mostrando suas letras ! Continua essa sua caminhada, con paz, fé e muito amor a musica. Tmj meu parça...

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado pela participação!! Abraço

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